Ontem mesmo eu comentava com umas amigas blogueiras sobre a cultura nordestina de trabalho, em especial a baiana. A relação patrão-empregado, relação criança-trabalho. Na roda o tema era empregada doméstica, babá que dorme em casa e os apartamentos novos com mais varandas e menos dependências de empregada.
E hoje eu não tive como não associar essa coisa da empregada doméstica com o trabalho infantil. Pois eu não sei aqui no sudeste, mas lá na Bahia criança começa cedo no batente (:-/). Bem cedo. Já perdi a conta de quantas vezes fui abordada em Salvador, em casa de amigas, manicure, até lá em casa mesmo por pessoas que querem mandar adolescentes para “casa de família” de são Paulo para que eles estudem, ganhem a vida e “de quebra” ajudem com o meu filho.
Em princípio você pode pensar: poxa, uma troca justa. Afinal, na minha adolescência, lá fui eu pra Londres cuidar de bebê pra pagar as minhas viagens pela Europa, nos períodos de férias da escola britânica. Mas veja que a relação aqui é bem diferente.
A irmã mais velha, mãe ou tia tem uma menina-moça de seus 14 anos no interior da Bahia. A menina pode ter potencial pra estudar, pode estar dando trabalho aos parentes, pode já estar moça e o risco de “embuxar” deve ser grande. E aí essa tia, amiga, prima, mãe propõe que você leve essa adolescente Pra sua casa. Nessa hora vc fecha os olhos e lembra de São Paulo, da vida louca e alucinada da matéria da Folha de São Paulo falando que uma babá está na faixa de R$ 2 mil. “Dê um canto na casa (veja, um canto, não um cômodo), uma escola pública no período que seu filho estuda e aí ela te ajuda com a casa e os cuidados com a criança. E aí você oferece um trocadinho para ela mandar para a família, ajudar os parentes que está no interior.”
oi??????
Na minha época de au pair, baby sitter ou sei lá como chamar uma estudante-babá, eu ganhava meus pounds para mochilar pela Alemanha, pela França, pra mergulhar na Ilha de Capri e bater perna em Roma. Eu ganhava meus pounds pra fazer um curso de verão, torrar tudo na Top Shop e pagar meu cartão de crédito, abarrotado de fish, chips e pints de Guinness.
Juro que já pensei algumas vezes em importar uma adolescente lá da fazenda, trazer pra São Paulo pra sim, me ajudar no dia a dia com Gabriel. Mas dando em troca estudo e uma oportunidade de sair do capinado, da enxada e ter a chance de ao menos aprender a escrever e conseguir ler um livro. Mas e quem disse que essa relação de troca não configura trabalho? Afinal, o trabalho não precisa ser pago com moeda corrente. Assim já era o escambo. O trabalho pode ser pago com um teto, com um prato de comida, com uma muda de roupa. Mas isso não faz dele menos trabalho. Muito pelo contrário. Você substitui o momento em que essa adolescente estaria lendo um livro, navegando na internet ou estudando e a coloca diante de uma criança de 4 anos para batalhar Beyblade e competir com carrinhos Hot Wheels.
É difícil. Porque talvez essa seja a única alternativa dessa menina adolescente sair da casa de sapê e conhecer o mundo. Mas a conta é muito alta para pagarmos. E certamente eu estaria influenciando outras pessoas a fazerem essa exportação de adolescentes nordestinas. O que é cultural, diga-se. Mas eu não quero compartilhar com isso.
Vivi isso desde pequena. Com os filhos do caseiro lá da fazenda deixando de lado nossa brincadeira de picula, guerra de frutas ou baleado para tirar o leite da vaca, estender a roupa no varal ou colocar lenha no fogão. E isso, por lá, é uma forma de respeito aos pais. Uma forma de ajudá-los, de cooperar com os mais velhos que colocam agua e pão dentro de casa. Ninguém nunca me disse que isso é trabalho infantil.
Criança não trabalha, criança dá trabalho, já diz o Palavra Cantada. E é assim que deve ser. E como também falam lá pela Bahia: quem pariu Mateus que balance. Então não deixe que uma adolescente faça aquilo que é a sua obrigação de mãe
Esse post faz parte da blogagem coletiva #édanossaconta! #semtrabalhoinfantil, da Promenino da Fundação Telefonica realizada com conjuntos com a UNICEF e a OIT (Organização Internacional do Trabalho).
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Nossa cultura escravocrata, com a obrigação de famílias abastadas terem empregados gerou isso. Muito tem que mudar em nossa cultura. Parabéns pelo post!
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Nanna, excelente sua contribuição! O “olhar acostumado”, infelizmente, não sobrevive apenas no Nordeste, embora me pareça, por seu texto e por relatos como os da Daniele Brito (do Balzaca Materna), que a situação é mais forte nesta região.
Gostei porque, no encadeamento de suas ideias, você coloca a situação de um jeito que não temos como não seguir a linha de raciocínio cultural arragaida na Bahia. E até pensar que pode sair em conta “importar” meninas. Mas mesmo que pagássemos o valor justo (nem precisa ser os 2 mil reais que custa uma babá em Sampa, mas um salário digno, hora extra, benefícios) estaríamos tirando esta menina da escola e afetando seu desenvolvimento se ela ainda for uma adolescente.
Tanto assunto, tantos caminhos para uma reflexão que deve ser mesmo coletiva, colaborativa e ter o apoio de cada um de nós, num mutirão para mudar esta realidade.
É da nossa conta sim!
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Eu cheguei um dia a pensar que no sul era diferente,mas não é,a proporção é menor,mas aqui tbm acontece,eu sou de Belém-Pa,e lá tbm tinha e ainda tem essa cultura de trazer meninas dos interiores p/ cidade,ainda tem muito o que fazer p/ mudar essa realidade,e são com campanhas assim e hoje em dia tendo as redes sociais p/ expandir,acho que podemos de alguma forma contribuir p/ mudar ou melhorar essa situação.
bjs
É da nossa conta sim!
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Compreendo ! Mas temos que entender que nem tanto ao ceu nem tanto a terra . Venhamos e convenhamos que os adolescentes mudaram muito e nao foi para melhor nao .
Minha adolescencia foi ajudar minha mae quando nao estava estudando , so brincava depois das tarefas de casa feita e hoje estou aqui com um orgulho enorme de ter uma educacao maravilhosa . Por conta das maes de hoje nao deixar ou colocar alguem para fazer tudo . estamos com os nossos jovens sem fazer nada , nada mesmo . entao vem computador , jogos telefones, tudo que nao nos nem sonha vamos . Sera que nao seria melhor darmos tarefas , fazer com que vicem que tudo se ganha com o trabalho . Tudo na dosagem certa faz bem .
E essas meninas que so precisam de uma oportunidade com pessoas certas com a dosagem certa de educacao , tarefas , amor e atencao com certeza seria mais um orgulho na vida de pessoas que querem realmente ajudar . O que diferencia o veneno do antidoto e a dosagem .
Pense nisso .