
Da mesma forma que a mamãe aqui deu um monte de coisas boas para os filhotes, os problemas respiratórios também são herança minha. Já me culpei muito por isso, afinal, ninguém merece herdar doença. Colocando em xeque todas as minhas teorias de mãe descolada e expert de segundo filho, os últimos 10 dias conseguiram me tirar o chão: Rafa, meu pequeno (de menos de 3 meses), teve bronquiolite, pelo contagio do vírus sincicial respiratório.
Durante as nossas miniférias em Salvador ele começou a chiar, a se sufocar (porque o nariz entupia e ele ainda não sabe organizar a respiração) e a ficar completamente congestionado. Após o pediatra observar meu bebê via vídeo, ele sugeriu que voltássemos o quanto antes para SP ou que fôssemos para um hospital em Salvador, onde provavelmente internariam ele.
Nesse dia, em pleno feriado e na Praia do Forte, eu perdi o chão. Tremi que nem vara verde, fiquei sem ar que nem o meu bebê. Meu corpo inteiro gelava, eu não conseguia admitir que meu filhote seria internado num hospital desconhecido, eu longe de casa, sem meu marido (e pai dele) por perto. Eu precisava voltar a qualquer custo. E foi com muito custo mesmo que consegui antecipar a minha passagem (num voo de conexão e para Campinas) no fim daquele feriadão para poder cuida do nosso bebê aqui em casa.
Não é de hoje…
Já contei aqui o nosso primeiro contato com a bronquilite quando precisamos internar Gabriel, com 1 ano e 8 meses. Não foi nada fácil. Se ali eu me esbagacei em pedaços, nessa última semana eu acho que me transformei num quebra cabeça de duas mil peças. Ver um bebê tão pequeno, que mal sabe se alimentar, que respira por aquelas vias miudinhas, não fala e ainda esboça poucas reações, ficar doente não é fácil.
Some isso ao sentimento de culpa que domina o pensamento da mãe. Afinal eu o expus a outras crianças, a um clima diferente, a um avião cheio de gente. Eu posso ter sido negligente com a troca de temperatura dos ambientes em Salvador. Eu talvez tenha achado que estava tudo bem e que, ao meu lado, os dois estavam protegidos. E, de fato, eu nunca imaginei que meu filho teria uma bronquiolite no calor baiano. O medo de perder o meu bebê era um pensamento constante que eu precisa afastar. E sabia que só conseguiria fazer isso voltando para casa.
Na primeira visita ao pediatra eu chorei copiosamente. A palavra internação ecoou em meus ouvidos como sentença de morte. Falamos das possibilidades e decidimos por tratá-lo em home care, afinal internar um bebê de menos de três meses nessa época do ano é correr o risco de aproximá-lo de outras doenças.
A escolha pelo home care
O tratamento em home care consiste na nossa inteira responsabilidade em ministrar todos os medicamentos (o que tem consumido meus dias e noites, há uma semana, com lembretes incessantes que não param apitar em meu celular); contratar uma fisioterapeuta respiratória que venha duas vezes ao dia por tantos dias forem necessários; higienizar a casa e o ambiente que ele fica pelo menos três vezes ao dia; deixar nosso pequeno em isolamento quase que total (o que significa que eu fico trancafiada dentro de casa com ele a maioria do tempo) e monitorar toda e qualquer alteração (de temperatura, humor, sono, ou fome) informando ao pediatra, que também está em estado de alerta.
Muito mais cansativo, sim. Porém infinitamente menos estressante e perigoso. Rafa é um bebê que mamou pouco no peito, e já expliquei o motivo por aqui. Por isso deve ter menos anticorpos que o normal. É um bebê com histórico familiar de alergias respiratórias (tanto eu como meu filho mais velho somos pseudos chiadores). E tem menos de 90 dias de vida. Deixá-lo em tratamento dentro de casa, por mais trabalhoso que isso pareça, foi a melhor opção. E eu faria tudo de novo, só para evitar a ida dele para um hospital.
Estica, puxa e suga
A fisioterapia respiratória corresponde a 70% do tratamento da bronquiolite, que somada às inalações e a medicação blinda a criança contra o vírus sincicial (que é um dos principais responsáveis pela internação e morte de crianças de até 2 anos de idade). O processo não é fácil de assistir e requer muita coragem por parte dos pais. As manobras respiratórias no bebê são firmes e muitas vezes invasivas, como o estímulo a tosse e ao vômito e a aspiração nasal e bucal, feita por meio de uma sonda. Eu, que já tinha passado por isso com Gabi, relembrei o tamanho do sofrimento que é segurar um filho forte pelas mãos para que aquele tubo comprido escorregue pelo nariz até sugar todo o catarro que obstrui as vias aéreas. O escândalo é indescritível. A dor é imensa. Mas o alívio, imediatamente depois, é compensador. Na segunda sessão de fisio Rafa não se sufocava mais ao deitar. Aos poucos, suas vias respiratórias foram sendo desobstruídas e ele conseguiu respirar normalmente. Nesse dia ele dormiu por 10 horas. Exausto de tanto sofrer. Exausto por estar nessa agonia há pelo menos três dias e três noites.
Uma semana depois do início da crise, meu filho apresenta uma melhora significativa e já estampa aquele sorrisinho banguela no rosto. Nesse momento ele dorme bem, com pouco chiado, e já tem de volta as 12 boas horas de sono que conquistou há pouco mais de 15 dias.
Nosso vínculo
Na semana em que Rafael completa três meses de vida eu vejo um bebê extremamente forte. Consigo identificar todos os sentimentos dele pelo seu profundo olhar azul. Sei quando ele me olha com medo, aflito, com raiva ou magoado. Sei quando ele me olha pedindo ajuda, e quando quer um colo que minimize a dor.
Depois dessa terrível semana eu me tornei uma mãe mais forte, assim como ele. Passamos juntos pela primeira situação complicada desse pequeno ser. E nos tornamos cúmplices. Se um dia eu tive dúvida do tamanho do amor que uma mãe sente pelo segundo filho, hoje eu tenho a certeza que ele é infinito e incondicional. Se um dia eu tive dúvida se conseguiria amá-lo -perto do sentimento louco que tenho pelo meu mais velho-, depois do cagaço de poder perdê-lo (porque a crise não chegou a esse ponto, mas para mim era uma possibilidade extremamente real), hoje eu tenho certeza desse amor.
Filho é uma coisa louca. Faz a gente ter sangue frio para aguentar a dor, faz a gente ter calor para acalentar um corpo, que tremendo pede amparo. Faz a gente ter disposição depois de uma semana de noites mal dormidas, para a cada 90 minutos ir preparar a medicação. Faz a gente se sentir mãe. Mãe e responsável por fazer a coisa dar certo.
Sempre que Gabriel tem medo de algo ou está inseguro, eu me abaixo, olho nos olhos dele e pergunto: “você confia em mim?” Ele, quase sempre tremendo ou com lágrimas nos olhos, responde que sim. Então eu falo: “sou sua mãe e a gente vai passar por isso juntos. E vai dar tudo certo.”
Essa semana eu vi aquele olhão assustado e mareado me fitando fixamente e falei: “confie em mim. Eu sempre falo isso pro seu irmão. Sou sua mãe e vamos passar por isso juntos.” Rafael cerrou as pálpebras, se aninhou no meu colo, e seus suspiros de agonia foram diminuindo. Nesse momento eu tive certeza que o nosso contato havia sido estabelecido. Nosso vínculo, para toda a vida, havia se formado. No pior momento da dor. Em meio a um sofrimento desgraçado. Entre lágrimas e suspiros. Criamos o nosso elo. E isso é para sempre.
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Sempre leio seus posts, mas nunca comento. Apesar de descrito com todas estas dificuldades, linda declaracao de amor.
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Oi Tatiani! Comente sempre que puder!!!! É muito bom ter contato com as minhas leitoras!
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Que coisa linda Nanna! Seu texto emociona! Que bom que Rafa esta melhorando e tem uma super mãe ao lado dele pra enfrentar todos os perigos. Ligo ele estara novo em folha. Saude e forca pra vcs. Bjos.
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Ele melhorou, ligia!!!! Ainda bem que tudo passou!!!! Brigada pelo apoio!!!
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Imagino seu sofrimento filha e como doeu cada procedimento realizado em meu netinho Rafael ainda tão pequeno. Recordei-me das suas crises de amídalas e depois da cirurgia, após tantas tentativas de amenizar seu sofrimento. No entanto, a dor fortalece e tenho certeza que após mais esta dolorosa experiência os elos entre vocês estão mais firmes de azeitados. Lindo e emocionante relato que enobrece e emociona. Parabéns por ser essa mãezona!