A cena foi assim: o prato de arroz, feijão, purê e frango teve umas garfadinhas sem vergonha, ele bagunçou e espalhou os montinhos (num movimento do tipo “eu comi, olha o fundo do prato!”), colocou a louça silenciosamente na pia e escalou a geladeira para pegar uma sobremesa.
– Epa, epa, epa! você comeu?
– Comi…
– Quanto?
…..
– Devolve a sobremesa.
(cara de choro nível 56)
-Ahhh mamãe, você não faz nada por mim, não faz nada do que eu gosto.
A minha vontade era enfiar o filé de frango guela abaixo nesse menino que só reclama de comer. ai que falta de paciência com isso. Se o banho já é um processo, a hora de comer, então…. tudo é ruim, todo é sem graça, tudo é igual (ele só come macarrão, arroz, feijão e carnes).
Mas chamei pra perto para ganhar tempo.
– Você quer ser um adolescente gordo, cheio de cárie, que não vai aguentar jogar uma partida inteira de futebol, porque ficará cansado de carregar tanto peso?
– Você sabia que quem come porcaria começa a criar bolinhas no sangue, essas bolinhas vão se juntando, crescendo, vão entupindo o canal por onde nosso sangue passa e a gente morre?
– Você sabia que quem não tem uma alimentação saudável pode ter diabetes, mesmo sendo magro, e ter que tomar injeção todos os dias? E o pior, quer que aplicar a própria injeção na barriga ou no braço?
Pausa para a cara de uma criança de quase sete anos achando que a mãe é uma louca, surtada e alucinada por histórias dramáticas.
Abrimos o Google e a primeira foto que apareceu foi um menino gordinho quase se arrastando para chutar uma bola.
(choque)
Depois de crianças magras aplicando a insulina, por conta da diabetes.
(pânico)
E depois uma sequência de fotos bizarras de crianças obesas, peladas, vestidas, excluídas, aquela coisa bem Google Image.
Eu sei, pego pesado às vezes. Mas é que tem momentos que só o tratamento de choque e o contato com algo real muda o pensamento de Gabriel. Ele não tem prazer algum pela comida e, todo santo dia, é uma cena de novela mexicna qualquer momento que inclua uma refeição em casa.
Ele não toma refrigerante, não é de balas, mas curte salgadinhos, bolachas, fritas, chocos, essas coisas que toda criança come. E aqui em casa, eu já falei, libero, bemmm moderadamente, durante a semana e mais flexivelmente aos finais de semana.
Só que se não come de forma saudável (no café, almoço ou jantar) não abre o armário. E ele sabe disso. Não tem choro nem vela, não discuto, pode chorar e espernear.
E ele é magro, e se prende a isso para justificar que pode comer “coisas que engordam”, porque é uma criança magra. Mas ainda não entende que é magro, porém não é saudável, porque não come frutas e verduras nem a pau!
Por isso que algumas vezes chegamos ao limite. De deixar só na água, até estar “morrendo de fome” e comer o que deixou do almoço, de ver fotos assustadoras de crianças com fome, com sede, sem brinquedos, sem roupas, sem casa…. para ver se alguma chave gira na pequena cabecinha e ele passa a entender que a gente quer, sim, o bem dele. E que negar uma sobremesa, um docinho ou um suquinho é uma forma de cuidar dele. Por mais que isso pareça o fim do mundo.
Trabalho árduo, eu sei.
Essa noite, após a nossa conversa, voltamos à mesa e negociamos o purê com frango. Refiz tudo, ele raspou o prato e, então, terminou de comer a sua sobremesa.
Depois de um tempo fez umas perguntas sobre o tamanho da agulha da insulina, se diabetes dói, como a gente identifica e se ele é uma criança saudável, já que tinha comido direito no jantar.
Se vai mudar, eu não sei. Mas que ele vai parar para pensar, isso vai!
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Também fiz uso desse “Tratamento de Choque”, só que por motivos diferentes. Minha filha, então com 9 anos, resolveu que não iria comer para ficar magrinha, disse que estava “barriguda”. Entrei no google e pedi imagens sobre anorexia. Perguntei se era aquilo que ela queria. Ela quase surtou! Nunca mais tive problemas com esse assunto… rsssssssssssss